"Foram a minha salvação". Comunidade cigana acolhe casal que espera casa da Câmara

por Gonçalo Costa Martins - Antena 1

Fotos: Gonçalo Costa Martins - Antena 1

Em São João da Madeira, uma comunidade cigana não ficou indiferente à história de um casal de fora e deu-lhe abrigo, embora tenha poucas condições para ela e para o marido, com uma doença terminal.

As ondas de calor do radiador dourado, na sala, não chegam para aquecer a casa. Separada da sala por lençóis, o quarto tem duas camas: uma para Maria Emília Cabo, 54 anos, e outra para o marido, coberto por várias camadas de mantas.

Algumas partes da velha cama articulada do marido têm ferrugem e as molas cedem no centro. Mas a maior das preocupações não é essa. As temperaturas baixas aqui são implacáveis: “Isto aqui é muito frio, isto é chapa”.

Coberta com uma manta nos ombros, Emília está sempre atenta ao companheiro. “Às vezes ele está a dormir tão bem que eu nem o consigo ouvir respirar, eu vou à beira dele e tenho que o palpar, a ver se ele está quente”, diz.

E daí conclui: “eu toco na cara, na cabeça, que é onde ele tem o cancro, no cérebro, e está completamente gelado”.

O “barraco” que acolheu o casal

O sítio onde este casal mora era uma oficina de carros, onde o senhorio, como ele descreve, “pintava uns carros velhinhos” que depois vendia.

Nas palavras do próprio, este “barraco” passou a ter novos moradores há 10 meses, quando Emília e o marido ficaram sem casa. Lembrou-se de falar com o comprador do seu carro: o filho do patriarca de uma comunidade cigana.

“Contei-lhe toda a minha situação e disse ‘vou para baixo da ponte porque eu não tenho para onde ir’”.


O senhor Maia, como é conhecido, ficou sensibilizado com a situação e convidou o casal a vir para o terreno que detém, na Devesa Velha, na zona industrial do concelho.

Tinha chegado há pouco tempo a casa quando a Antena 1 foi ter com ele. Estava a descansar numa cama de madeira e agarrava-se a uma pega suspensa no ar para se endireitar enquanto falava.

Maia orgulha-se de ter dado casa ao casal: “Quem é que faz isto? Ninguém”, responde a si mesmo.

Nesta zona moram cerca de 50 ciganos, dedicados não tanto às feiras - “não prestam porque os chineses rebentaram com tudo”, diz ele - mas sim à condução de veículos TVDE - “estão todos metidos nisso”.


Emília e o marido são os únicos não ciganos ali, pagam 150 euros pela casa e estão gratos pelo acolhimento que tiveram: “há pessoas que falam tão mal dos ciganos, mas estes aqui, de São João da Madeira, dos Maias, foram a minha salvação”.

Em três dias, a oficina ganhou forma de casa, mas nem tudo deu para corrigir. Por vezes há ratos e têm uma casa de banho precária, com uma bacia para tomar banho e um balde para as restantes necessidades.

Mesmo agradecida, não esconde o desalento pelas condições precárias da situação e de estar há dois anos à espera de uma habitação social da câmara.

“Eu não queria dar este fim ao meu marido, queria que ele partisse com a mínima dignidade”, diz.
Rádio e costura, as companhias de Emília
A sua companhia ao longo do dia é um rádio velhinho que foi dado pela avó, uma “relíquia” que a faz dançar algumas vezes ao longo do dia.

“Entra na onda da energia positiva”, convida a estação de rádio em que Emília está sintonizada. Esta telefonia resiste ao tempo, mesmo já tendo uma cor alaranjada e o pano que cobre o altifalante cada vez mais escuro.
O rádio está na sala e o som chega facilmente ao resto da casa, ao contrário do calor do radiador. Espalhado também por esta habitação precária estão vários tapetes coloridos. Cobrem o chão de pedra, que apresenta vários altos.



Quem levanta a cabeça do chão e olha depois para o kit de costura de Emília encontra as mesmas cores. Num cesto, estão muitas linhas que passam pela máquina de Emília.
As roupas que dali saem trazem algum dinheiro a um orçamento familiar já muito escasso. Entre a baixa médica do marido e o rendimento social de inserção, o casal vive com cerca de 380 euros por mês.

Além dos 150 euros de renda, as principais despesas são a higiene e a medicação do marido, pelo que os problemas de coração de Emília ficam esquecidos.

“Eu já no mês passado não tinha nenhum testão para comprar a minha medicação", afirma.
Casal nas prioridades do alojamento em São João
A história de Emília e do marido foi tornada pública no início de dezembro na imprensa local, no jornal “O Regional”. Escrevia que o casal é acompanhado pelo Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social de São João da Madeira.

Contactada pela Antena , apesar de o pedido ter sido feito há dois anos, a câmara diz que só nos últimos tempos é que o casal “subiu” na lista do concelho para habitação social, que, na semana passada, tinha 382 famílias à espera.

"O que determina a atribuição da habitação, para além de nós termos habitações livres, é a classificação da lista ordenada”, afirma a vereadora da Ação Social, Inclusão e Habitação, Paula Gaio.

Nesta altura, Emília e o marido estão entre “os primeiros 10 lugares para um T1”.
O concelho tem 635 apartamentos municipais e orienta as entradas, à medida que estejam disponíveis, por critérios que estão presentes numa matriz de classificação para inscrição em habitação social.

Segundo Paulo Gaio, os elementos que acabam por pesar mais são “a situação atual da família, se está a viver num quarto de pensão, se tem ordem de despejo iminente”.

A matriz em São João prevê seis critérios relacionados com as famílias: o rendimento, a vulnerabilidade, o alojamento, a condição habitacional (segurança e salubridade), a taxa de esforço financeiro e o tempo de residência, trabalho ou estudo no concelho.

Embora exista uma base definida por lei que define “critérios preferenciais”, cada câmara pode dar pesos diferentes a cada elemento.

A matriz em São João é de 2021 e a vereadora diz à Antena 1 que há a intenção de revê-la no próximo ano. Paula Gaio dá o exemplo da violência doméstica, um dos elementos do critério da vulnerabilidade, em que diz ser preciso detalhar melhor as situações em que alguém é vítima.
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